quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Lost in translation

Quando eu tinha uns seis anos, descobri que a gente só faz aniversário uma vez por ano. Lembro até hoje da cena, estávamos no elevador: eu, minha mãe, irmã e algum vizinho do prédio, quando sugeri para a minha mãe que poderíamos fazer a minha festa de aniversário, a resposta dela foi: "A sua festa já foi, aniversário a gente só faz uma vez por ano." E sabe aquele momento de choque e epifanias? Então, pode ser que ali tenha terminado a minha primeira infância - tá tudo bem, mãe, ela ia ter que acabar em algum momento mesmo.  

Eu sempre tive essa memória viva, mas só há pouco tempo, enquanto comentava com uma amiga sobre essa cena é que me dei conta que antes desse dia no elevador a minha mãe deve ter me dito isso inúmeras vezes, mas acho que só entendi mesmo naquele exato momento. 

Na mesma hora lembrei de todas as vezes, nesses quase cinco anos, em que na minha cabeça eu estava sendo muito clara com a Alice, mas quando a gente terminava a conversa ela fazia ou falava outra coisa, totalmente aleatória. A princípio achava que era 'personalidade', passado um tempo comecei a ter certeza que o problema era eu e minha falta de clareza, mas aí conversando com outra amiga, que também é mãe, ela me disse "eles entendem tudo, calma". 

Pensei, poxa, ela acabou com meu texto. E acabou mesmo, pois esse rascunho estava salvo aqui desde julho de 2023. Mas como o tempo das descobertas maternais é outro, só há pouco dei razão a minha amiga. Eles entendem tudo mesmo, só vão matutando para desabrochar a qualquer momento, até quem sabe na beira do mar. 

Numa viagem a praia, quando estávamos eu e ela, conversando sobre como mergulhar falei  "coloca a mão no nariz para prender a respiração e quando a onda vier, mergulha" ela disse "ah, a mesma coisa que o Renato Moriconi (escritor e ilustrador) faz para não borrar o desenho."

Enfim, entendem tudo e ainda transformam em poesia.








"Everybody had a hard year..."

2023 definitivamente não foi meu ano e confesso que embora eu espere muito de 2024 estou trabalhando minha cabeça para não esperar nada (kkk, até parece). Talvez se eu conseguir terminar esse texto que comecei em 2023 pode ser que já seja uma coisa boa. 

Quando comecei a escrever esse post eu queria falar sobre as descobertas da Alice, para talvez quem sabe em 2045, se esse blog ainda existir eu possa relê-lo e morrer de vergonha das coisas que escrevi - que é o que acontece hoje em dia, mas também ter um pouquinho de orgulho da Harissa de antigamente. Da Alice terei com certeza, pois sou o tipo de mãe que acha a filha especial. 

Mas o texto da Alice fica pra outro momento, espero que ainda em 2024. Pois neste aqui vou falar de duas coisas boas que marcaram 2023. 

A primeira foi o show do Chico, uma turnê que começou na tensão pré-eleições de 2022 e chegou feliz e irônico em 2023. Foi lindo demais vê-lo cantando com a Mônica Salmaso e eles abriram a torneira para eu chorar tudo o que vinha passando no primeiro trimestre de 2023. 

Em dezembro, mais recomposta das porradas de 2023 fui ao show do Paul McCartney e foi a melhor coisa que fiz por mim no ano. Além de todo o contexto familiar, filha dormindo fora de casa pela primeira vez na vida (obrigada Cintia) eu me conectei com a Harissa de 20 e poucos anos, que amava muito Beatles e sempre achou que seria impossível ir a um show do Paul. E posso dizer que realizar um sonho é incrível e eu nem me lembrava ao certo se tinha esse sonho, sabe? Tamanha a desconexão que estava de mim mesma. 

Escutá-lo cantando as músicas de sempre, mas agora aos 40 e tantos, deu um novo significado para t u d o. Sabe quando a grande ficha cai? A minha caiu e foi nos versos finais de The End


"And in the end
The love you take
Is equal to
The love you make."

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Vamos ver o que vem por aí...

Antes que o ChatGPT ocupe toda a internet, minha mente e minha capacidade de escrita, resolvi vir aqui depois de muito tempo pra dizer que assim como em outros anos talvez esse não seja o meu ano. 
Essa conclusão veio cedo, em março/abril, mas ela veio.

É horrível ter 41 anos e chegar a essa conclusão, mas junto com a idade vem também a conclusão de que somos o que dá para ser e no caso dos anos, eles também. São o que dá para ser.

Não significa que os próximos não sejam os meus anos, ou até que nos próximos meses tudo mude para melhor, mas os 41 anos também já mostraram que milagres não acontecem. Muito embora eu tenha levado bastante tempo para acreditar nisso e de certo modo isso tenha me salvado muitas vezes. 

A coisa boa de tudo isso chama-se Alice. Ela agora come maçã e mexerica, conversa sobre desenhos, palavras, massinhas de EVA e inventa músicas e danças no melhor estilo contemporâneo. Ela é autêntica e perfeita dentro do seu universo de criança e eu só consigo ser uma mãe apaixonada e embasbacada com a imensidão dela. 

Dia desses eu li um livro chamado Indomável, é uma coisa autoajuda, "feminista", neoliberal para engajar mulheres que precisam resgatar seu lado indomável, mas não muito senão você  só é  uma doida. Eu certamente não precisava dessa leitura, ser indomável só me trouxe a essa crise existencial aos 41 anos. Mas o que eu queria falar sobre esse livro é que logo no início ela comenta sobre um animal criado em cativeiro, com todo o seu instinto suplantado pelo treinamento de uma vida limitada, e vai traçando um paralelo de como meninas são educadas para esconderem seu lado 'indomável' e como isso se reflete ao longo da vida. Agora corta para a Alice conversando com a melhor amiga por chamada de vídeo, no dia da ligação a amiga não iria para escola pois estava doente, no momento que a Alice soube, largou o telefone e foi embora. Primeiro eu tive vergonha e depois eu tive inveja, queria poder fazer isso em vários momentos da vida. 

Pode ser que ela seja indomável pela vida inteira ou só aos quatro anos. Pode ser também que eu seja essa mãe quase indomável, desesperada para fazer dar tudo certo pela vida toda ou só nessa fase. É como diz o meme, vamos ver o que vem por aí não dá para saber ainda.

De certo mesmo só tem o fato de que serei mãe dela para sempre e isso já é tudo para mim. 



domingo, 20 de novembro de 2022

Bom demais

Projeto para o Pq. Ibirapuera
Faz tanto tempo que eu ensaio um texto aqui e o tempo entre o ensaio e a escrita de fato é tão longo que quando eu sento para escrever já esqueci tudo. 

O único ponto em comum de todos os ensaios é que eu fico basicamente tentando não tocar no assunto maternidade pois minha vida não pode se resumir a isso, mas de fato minha vida agora gira em torno disso e a maternidade é tão impactante que seria mentira falar que ela ocupa 'parte' da minha vida. Na verdade ela é minha vida. E quer saber? Essencialmente nem acho ruim. Obviamente que não me acho uma baita mãe, estou sempre sentindo que deveria levá-la em mais eventos infantis, ler sobre maternidade, educar melhor, olhar menos o celular etc e tals, mas de um modo geral acho que estamos bem até aqui. 

Embora esse venha sendo um ano difícil para chuchu, onde tenho a sensação de que todas as minhas escolhas profissionais foram erradas e que não construí uma carreira de fato, na semana passada eu fui s o z i n h a na exposição do Burle Marx que está acontecendo no prédio da FIESP e sabe aquele momento epifanico em que tudo faz sentido, pois é, esse momento rolou . Eu não sabia direito sobre o que era, só vi o nome dele e entrei. A exposição dá muita ênfase para os projetos urbanísticos propostos para a cidade de SP e que em sua maioria não foram executados e traz também alguns outros projetos icônicos e outros não tão conhecidos assim. Mas o que mais me chamou a atenção em toda a exposição, foi a representação gráfica dos projetos. Pranchas feitas a guache, simbolizando pisos, plantas, espelhos d'água... era tudo tão lindo e tão a frente do tempo, que meus olhos ficaram marejados e tudo o que sou fez sentido novamente. 

Não sei por quanto tempo esse sentimento de fazer sentido vai durar, mas é bom demais sentir. 




sábado, 26 de março de 2022

3 anos de VERDADE.

Ryn Frank

Minha filha fará três anos na próxima semana.

Ela nasceu no dia 1º de abril. A minha maior verdade nasceu no dia da mentira, e apesar dessa conclusão piegas e tosca é isso que venho sentindo ultimamente.

Como a maternidade é esse mar de cuspes jogados pra cima e no qual nado de braçada, venho por meio deste texto dizer que eu finalmente compreendi na minha pele o que é transformador na maternidade.

E é dolorido viu, pelo menos no meu caso.

Sempre via legendas e textos falando o quanto a maternidade é transformadora e eu só virava os olhos e pensava "Transformador como, amore? Fala mais pra mim? Quem sabe eu concordo com você."

E a real é que me deparar com minha cria repetindo ações que eu não gosto em mim, foi aterrorizante. Aterrorizante porque sou uma pessoa apegada a minha zona de conforto, para mim é muito difícil encontrar zonas de conforto e quando eu as encontro não quero abrir mão. Mas estou aqui saindo de uma zona de conforto em busca de outra e todo esse movimento foi causado pela Alice.

E assim, eu sempre fui a pessoa que pensava "não vou virar outra pessoa depois da maternidade, serei a mãe que dá pra ser" e não, estou tentando ser uma pessoa melhor para ser uma mãe melhor. E como nem tudo na mudança é horrível, fico feliz com os avanços que damos juntas.

Pronto expliquei. 👍

E, para completar esse texto de aniversário eu só queria deixar registrado para mim mesma a alegria que sinto ao passar pelas ruas por onde eu caminhava com a Alice grudada no meu colo, no ergobaby. Ela não vai se lembrar disso daqui uns anos, mas eu nunca vou esquecer o calor dela, o bico que ela faz dormindo ou que ela enrola o cabelinho para dormir.

Alice, muito obrigada por me proporcionar tanto, filha.💗



sábado, 11 de dezembro de 2021

Mãe de Quarentena

Acho que uma das frases que eu mais falei esse ano foi "Ah, ela é criança de quarentena, não tá acostumada com muita gente."

A volta ao mundo real, social, a entrada na escola balançou as estruturas por aqui. E eu vi meu maternar escancarado em uma adaptação escolar que durou longos 1 mês e meio. E isso desencadeou muita coisa aqui dentro da minha cabeça.

Colocando os pingos nos 'is' a verdade é que:

- A Alice é uma criança de quarentena e principalmente, eu e meu companheiro, somos pais de quarentena;
- A minha maternidade sendo analisada, é mais uma viagem egocêntrica minha do que real. Quem analisa de fato as coisas é minha terapeuta e ponto. O resto do mundo deve olhar e pensar "pais" e cabô. 

Dito isso, eu vou voltar e contar que sofri demais com a ideia de que as pessoas pudessem não gostar da Alice como eu gosto. E a realidade é que ninguém vai gostar dela como eu e o pai gostamos. E sim, é menos sobre mim e minhas expectativas e muito sobre ela. 

A outra parte também vem do fato de que em todo esse 'imbróglio' de adaptação eu entendi que não dá pra ficar se justificando pra todo mundo o tempo todo. Nem pra filha, nem para os pais, para estranhos, para amigos etc. 

Alice agora chora fazendo manha e eu deixo chorar. Em qualquer lugar. Alice não cumprimenta as pessoas que ela nunca viu, ou que viu apenas uma vez, eu deixo rolar. 

Não acho que meu papel seja 'deixar rolar tudo', se ela não cumprimenta os avós ou meus amigos, puxo num canto e converso. Mas se é um estranho que nunca mais verei, fico quieta. Não sei se estou sendo complacente demais, mas acho que ando escolhendo as minhas batalhas. Pois, assim como toda a população mundial eu tô exausta.

Dito isso, estou exercitando (e só aprendi isso no último mês) a escuta. Falando menos, escutando mais e tirando de mim a 'obrigação' - que minha cabeça inventou, de que tenho que resolver o problema, que em nenhuma hipótese vou conseguir resolver. 

domingo, 25 de abril de 2021

Parole, parole

Uma vez, quando eu estava fazendo o meu TFG, lá em 2005, conheci uma senhorinha que foi uma das primeiras moradoras da minha rua. Ela tinha nome de flor, não sei se Margarida ou Rosa, mas era uma flor.


Ela descreveu a rua como era no tempo dela, o entorno, as casas e os pais. Ela contou que onde hoje é o Largo Tito tinha uma feira e que adorava ir lá. Enquanto ela falava eu ficava me perguntando o que será que ela sentia vendo tantas mudanças e quando perguntei de fato ela deu de ombros e disse que era a vida acontecendo. 

Nessa época eu tinha 23 anos e era uma estudante de arquitetura indignada com a gentrificação do bairro onde cresci, que eu achava que tinha começado em 2005, mas na real estava rolando há muito mais tempo. E eu acreditava que nunca ia me conformar com essas mudanças.

Nessa semana que passou, soube sobre o fechamento de dois lugares, onde fui feliz. É provável que a pandemia tenha acelerado o processo, mas a gentrificação é implacável. Quando leio textos sobre 'apagamento da memória' sempre fico com "pena" das populações que sofreram esse processo e, nessa semana, é que a minha grande ficha caiu, na verdade a minha história também está sendo apagada gradualmente. Não que ela seja de grande interesse para humanidade, mas eu gostava de passar pelos lugares e lembrar de quando estive por lá, ou pensava em contar pra Alice que aqui ou ali eu vivi e fui feliz.

E eu, que já senti tanto nesses últimos tempos e que as vezes acho que ficarei anestesiada eternamente, senti aquela ponta de indignação dos 23 mas logo em seguida senti o que a dona Rosa (ou Margarida) me disse há 16 anos e fui trocar uma fralda da Alice.

sábado, 27 de março de 2021

A mãe que brinca de limpar.

Dia desses me bateu uma síndrome da impostora na maternidade. Uma certeza absoluta de que em algum momento eu serei descoberta como uma péssima mãe. 

Talvez porque eu seja a mãe que brinca arrumando as coisas, que não está vivendo o momento presente da brincadeira 100% do tempo e que fica feliz quando consegue umas horinhas sozinha.

Eu vejo o Bruno brincando com a Alice e ele é tão melhor do que eu na criatividade. Nas minhas brincadeiras eu tô sempre tentando educar, dar uma moral na história, construir uma narrativa. 

Depois de um tempo eu penso no Winnicott e me perdoo por ficar feliz quando eu consigo tirar o esmalte. Mas vivo no dilema de aproveitar todos os momentos e ficar exausta de tentar aproveitar tudo.

Eis que terminei um livro ótimo chamado Olive Kitteridge. Em um dado momento do livro quando o filho da Olive tá casando ela olha pra noiva e pensa que ela não conhece o filho dela de verdade, ela não o viu quando ele teve urticária, não sabe que ele tinha medo de ir pra escola etc e tals e por isso, será que ela vai ser boa pra ele? 

E eu fico olhando pra Alice e anotando mentalmente as descobertas dela e pensando que só eu presenciei quando ela descobriu o prazer que é lamber os dedos quando a mão suja de iogurte ou no corpinho todo pulando de felicidade quando todos nós vamos juntos dar uma volta na pracinha. E será que as coisas vão dar certo pra ela? E será também que eu não estou perdendo tempo pensando tudo isso quando eu deveria ser mais tranquilona?

Bom, pra isso que eu pago terapia todo mês né? Pra me acostumar com o fato de que a vida e as pessoas nem sempre serão boas pra/com ela.😔