domingo, 25 de abril de 2021

Parole, parole

Uma vez, quando eu estava fazendo o meu TFG, lá em 2005, conheci uma senhorinha que foi uma das primeiras moradoras da minha rua. Ela tinha nome de flor, não sei se Margarida ou Rosa, mas era uma flor.


Ela descreveu a rua como era no tempo dela, o entorno, as casas e os pais. Ela contou que onde hoje é o Largo Tito tinha uma feira e que adorava ir lá. Enquanto ela falava eu ficava me perguntando o que será que ela sentia vendo tantas mudanças e quando perguntei de fato ela deu de ombros e disse que era a vida acontecendo. 

Nessa época eu tinha 23 anos e era uma estudante de arquitetura indignada com a gentrificação do bairro onde cresci, que eu achava que tinha começado em 2005, mas na real estava rolando há muito mais tempo. E eu acreditava que nunca ia me conformar com essas mudanças.

Nessa semana que passou, soube sobre o fechamento de dois lugares, onde fui feliz. É provável que a pandemia tenha acelerado o processo, mas a gentrificação é implacável. Quando leio textos sobre 'apagamento da memória' sempre fico com "pena" das populações que sofreram esse processo e, nessa semana, é que a minha grande ficha caiu, na verdade a minha história também está sendo apagada gradualmente. Não que ela seja de grande interesse para humanidade, mas eu gostava de passar pelos lugares e lembrar de quando estive por lá, ou pensava em contar pra Alice que aqui ou ali eu vivi e fui feliz.

E eu, que já senti tanto nesses últimos tempos e que as vezes acho que ficarei anestesiada eternamente, senti aquela ponta de indignação dos 23 mas logo em seguida senti o que a dona Rosa (ou Margarida) me disse há 16 anos e fui trocar uma fralda da Alice.

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