terça-feira, 8 de setembro de 2009

mamãe sou arquiteta XVII










Há aproximadamente 3 anos eu tenho vontade de escrever sobre a Casa do Chame-Chame (Salvador - BA, 1958-1964 construção/1984 demolição) projeto de Lina Bo Bardi. E demorei tanto para escrever pois além de assídua do lema "devagar e sempre" confesso que tenho uma certa vergonha de falar muita besteira e também pelo fato de que essa casa levanta muitas questões com as quais não sei lidar e nem sei optar pela "certa".

Descobri a casa através do livro: "Lina Bo Bardi, Sutis Substâncias da Arquitetura - Olivia de Oliveira", que disseca e analisa a obra da arquiteta de modo preciso e depois dele fica difícil falar qualquer coisa sobre o trabalho da Lina e esse é um do motivo pelo qual eu não conseguia escrever sobre a casa. Normalmente sempre que leio um livro que gosto tenho a impressão que o autor é tipo um Deus, que vive numa biblioteca de prateleiras infinitas e que não faz outra coisa a não ser escrever. Nesse caso mesmo antes de ler já tive essa impressão, mas logo na abertura do livro quando a autora diz:

"Ainda estudante em Salvador da Bahia, em princípios dos anos 1980, a obra de Lina Bo Bardi inseriu-se em minha memória para sempre, sem que eu o soubesse. De certa forma, estive contaminada por essa estranha casa, a única construída por Lina em Salvador, diante da qual passara muitas vezes para visitar uma amiga. Curiosamente, apesar de a Casa do Chame-Chame pertencer ao meu cotidiano, cada vez que a revia, nunca deixava de sentir um forte estranhamento. Era uma espécie de casa de bonecas, casa de contos, com seus muros inteiramente revestidos de tufos de vegetação, seixos, cacos de azulejos, fundos de garrafa, conchinhas, restos de brinquedos e de bonecas quebradas.

Jamais tive a ocasião de entrar nessa casa e recordo minha indignação ao vê-la demolida em 1984, sendo literalmente violentada sobre seus próprios muros como mais uma vítima da voraz especulação imobiliária, que há muito vinha lhe montando cerco.

(...) Apesar do pouco material aparentemente disponível para estudá-la, o fato de contar com minha memória pessoal punha-me numa situação levemente privilegiada: a de poder dizer a outrem algo que de algum modo experimentei, mesmo que marginalmente. De certa forma, sentia-me como uma sobrevivente em sua obrigação de narrar a tragédia vivenciada."

E tal trecho bastou para que eu, reles mortal, "dentro da minha cabeça" insana já me sentisse próxima a autora. Afinal de contas esse blog surgiu justamente por conta da minha "revolta mansa" contra a especulação imobiliária, que vinha e vem transformando radicalmente o bairro que vivo. Essa questão da negação da transformação do bairro de certo modo já entendi. As cidades são dinâmicas e a preservação do patrimônio histórico se não for bem tratada ao invés de colaborar acaba engessando o funcionamento e crescimento inevitável da delas.
Mas saindo do plano do coletivo, eu não consigo aceitar que minhas memórias sejam devassadas por tapumes de construtoras e sempre que vejo um casinha querida ser demolida, dói um pouco o coração (já foi pior, antigamente ele perdia pedaços), entretanto a vida prática está aí e é necessário prosseguir. (a-há!)

Existe também outras duas questões que o projeto e análise dele suscitam. Ao longo do capitulo a autora descreve os 4 estudos para tal casa até chegar no projeto final, explica a passagem do desenho inicial, ortogonal, para o final, orgânico e vai contextualizando o projeto dentro do panorama da arquitetura da época e como ele se insere na cidade de Salvador e tem algumas coisas que me chamam atenção: a classificação da casa como "casa percurso", o tratamento que a arquiteta dá a escada considerando-a como um ambiente e não só como instrumento de ligação entre um nível e outro e a comparação entre a casa e o forte de São Pedro.

Inevitavelmente o pensamento recai sobre a produção atual de casas e apartamentos que tanto tenho contato no meu cotidiano e sem desmerecer, mas já desmerecendo, arquitetos atuantes no mercado (até mesmo os que gosto) acredito que a grande maioria dos projetos atuais é só fachada bacana e inovadora. As tipologias dos apartamentos são todas iguais independente se o desenho foi feito em um escritório da moda ou no departamento de engenharia de alguma construtora. E consequentemente a impressão que tenho sobre quem de fato "produz" a cidade e o desenvolvimento dela são os publicitários e o sujeito com o "timing" do mercado imobiliário.

E por fim a coisa que maaaaaaaaaaaaaaaaaaaaais gosto nessa casa é que no revestimento do muro existem uma infinidade de conchas, brinquedos de plástico, pedaços de bonecas, cacos de azulejos minuciosamente garimpados nesses cemitérios de azulejo, fundos de garrafa e acho que isso nem precisa de explicação racional.

6 comentários:

::gabriela::gaia:: disse...

semana passada estava em salvador, no ap de uma amiga no chame-chame, e me peguei pensando nessa casa... fiquei da varanda tentando adivinhar qual esquina tinha a cara de ter abrigado um dia essa casa maravilhosa... o esforço foi em vão, óbvio. mas é sempre bom ser surpreendida, mesmo que na memória, pelas obras de lina...
bjo!

Leticia disse...

sabe que eu bem gosto desse blog aqui também? =)

Harissa B. disse...

=))))))))))))))

bricoladora disse...

uai!! que história loca hein? num sabia dessa casa... infinidade de coisinhas?? tem imagem disso?
ô nega, adorei ver meu codinome beijaflor no teu brog!
beijo da toddy!

Harissa B. disse...

Amore!

Tem muito pouco material sobre essa casa, vou ver se consigo achar alguma coisa no livro e te mando....

beijos e mais beijos!

Manuel Sá disse...

Descobri recentemente a localização dessa casa. Não tive coragem de passar no local ainda pra deixar rosas.