sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Nunca conseguiu expressar de verdade o que sentia naqueles dias, arranhava uma palavra aqui, um desenho ali, um sorriso aberto e uma euforia descabida e incompreensível. Mas dizer mesmo o que sentia nunca conseguiu.
Numa manhã de sexta-feira de carnaval, embora talvez sextas-feiras de carnaval oficialmente não existissem, escutou do alto do prédio uma bateria que não sabia de onde vinha. Abriu todas as janelas da sala, deseperada e aflita por ver algum possível passista, algum tamborim ou qualquer outra coisa que a fizesse voar, pelo menos em pensamento para longe de espessuras de pena, tabela de cores e forros de fibra natural. Mas não viu nada, a rua continuava calma, seguindo como em todos os dias úteis de sol. As pessoas no chão ainda eram formiguinhas coloridas seguindo em carreiras para formigueiros quaisquer, os carros continuavam obedecendo ao farol e o céu era azul acinzentado como em todo verão que se preze.
O som permanecia lá cada vez mais próximo e mais alto, mas o bloco, a bateria e as pessoas que executavam aquilo não existiam. No topo de uma floresta de pedra, sozinha buscava no reflexo dos prédios ao lado algum sinal de gente com um tamborim nas mãos, mas nada. Ilhada a acorrentada ao chão acarpetado, sentiu uma lágrima escorrer pelo canto do olho, o coração apertou e quando vencida pelo cansaço sentou em frente a tela preta para mais algum "m barra", "sc barra", "ro barra", "tr barra" os dedos não saiam do lugar, era como balões de gás sem ar.
Quando finalmente o som parou ela finalmente conseguiu raciocinar em forma de linhas amarelas, vermelhas, magenta e cyan. O coração desacelerou aos poucos e por uma fração de segundo ou enquanto durou os três docinhos coloridos de marzipã, pensou que em algum carnaval o Arlequim não vai chorar pela Colombina, a Jardineira não ficará tão triste e a Morena vai deixar que alguém goste dela.
Continuou não conseguindo explicar a felicidade que sentia naqueles dias, mas a tristeza de não poder sentir felicidade isso já conseguia...

Um comentário:

JM disse...

Mesmo que não quisesse, ouviria o som do carnaval de rua. E não queria mesmo; tentava auscultar um cansado e descompassado coração, mas desistiu em poucos minutos. Mal de cidade pequena o hospital ficar tão perto da matriz, e, portanto, da praça da matriz, e, portanto, do ponto de encontro dos munícipes nas festas populares. Teria, então, de guiar-se por outros dados, dispensar o coração, orar por ele enquanto os batimentos iam embora, cada vez mais inauscultáveis. Desejou fortemente que o carnaval não existisse naquela cidade. Na verdade, desejou que não precisasse trabalhar durante o carnaval. Que não precisasse estar naquela cidade tão pequena.