domingo, 23 de dezembro de 2007

mais uma vez amor...

Era grande demais para a cadeira, tão grande que ao sentar ela bambeou um pouco e quase quebrou. Passado o primeiro susto, trocada a cadeira por outra igualmente pequena tirou um livro da sacola e por ali sozinho ficou lendo um livro de título indecifrável. Era divertido ao longe, tentar adivinhar que livro lia, auto-ajuda, mistério, biografia, ficção, doído, água com a açúcar, didático, chato, de desenho, de qualquer coisa.
Pela capa parecia um livro de fotografias, talvez a mancha preta fosse um homem. Um livro gay quem sabe. Definitivamente era melhor esquecer uma paixão instantânea de olhos claros, cabelos loiros que lê na praia e toma mate sem limão. Esquecer para não sofrer, óbvio afinal de contas a concorrência seria desleal.
Preferiu pensar no mar e no que poderia existir além dele, esqueceu. O sol quente ardia um pouco as costas, secava a boca, fazia com que os grãos de areia brilhassem nos pés igualmente quentes e secos. Era chegado um dos seus momentos preferidos, ficar parada onde a onda morre e sentir a água vindo cansada e devagarinho acariciando seus pés, sentia a areia sob os pés sendo levada embora e era como se o chão se abrisse e sentisse cócegas ao invés de medo.
Gostava do chão se abrindo aos seus pés, talvez por isso procurava sempre onde sentia mais dor. Devagar entrava no mar e aos poucos subia pelos pés um linha gelada que era como se seus ossos estivessem sendo retorcidos. Quando molhou a cabeça acostumou-se, não sentia mais frio e se conseguisse se manter longe da área de arrebentação poderia permanecer o dia todo ali, boiando e pensando em nada, ou pensando que talvez aqueles olhos claros não estivessem lendo um livro gay.
No limite da honra - era sempre bom impor-se limites, decidiu que ficar boiando a toa não levaria a nada. E definitivamente não poderia carregar aquela dúvida eterna. Foi quando encheu-se de coragem e poderia até passar por louca, mas perguntaria para o homem grande da cadeira pequena que livro era aquele. Saiu correndo do mar, mentindo para si mesma que a corrida era fruto da coragem. Mas sabia que a onda que vinha atrás dela era grande o suficiente para um afogamento imediato.
Afobada, ao chegar na areia, por precaução decidiu descansar um pouco. Pois era melhor ser uma louca calma do que uma louca esbaforida. Recomposta levantou calmamente e quando estava aproximando-se da cadeira pequena para um homem grande, previu que o melhor a ser feito era tomar uma ducha e tirar o sal do corpo. Pois era melhor ser uma louca insossa do que uma louca salgada. Além do mais poderia permanecer com sua pose de pessoa normal, caso o rapaz grande fechasse o livro de modo que fosse possível ler o título.
Pois bem, praia cheia, mar imenso e a fila da ducha era maior e mais lenta do que qualquer fila do metrô sé. Calmamente pensou em dar um viva para a água doce, também não gostava do gosto salgado da água do mar. Quando finalmente chegou sua vez, já nem sabia mais o porque estava ali. Olhou para frente e viu os olhos mais azuis do mundo, no rosto do homem grande da cadeira pequena. E por alguns segundos era como se não existisse mais nada, apenas o ódio que sentia por ele estar ali na frente dela sorrindo sem o livro e mais uma vez para sempre ficaria com a dúvida.

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