
A água batia na pedra ora com muita força, ora só com força. A força dependia do vento, mas o bater não dependia de nada, com muito ou pouco vento a água sempre batia na pedra. Era bom ver que as coisas aconteciam sem que fosse necessário mover qualquer músculo do corpo. O vento batia leve nos lábios, secava sua boca, olhava para o sol até não conseguir enxergar mais nada, fechava com força os olhos e quando os reabria só enxergava o mar. O som da água batendo nas pedras mais parecia uma trovoada do que apenas a água que bate nas pedras. Pensou com gosto que as coisas não precisavam dela para acontecer.
Prendeu o cabelo e olhou de novo para o mar, não viu mais o mar. Viu o homem estendido no chão com uma perna presa ao corpo mas completamente deslocada dele. Escutou os gritos desesperados de um homem, que gritava em italiano algo que tinha algum deus, algum filho e muitas lágrimas no meio. Viu de novo os olhos de homem de punhos cerrados que correndo largou alguma coisa perto do pai e correndo sumiu pela rua. Escutou novamente alguém que dizendo, "eu vou lá ajudar" e logo depois alguém em cima dizia "devolve, ele acabou de perder um ente querido". De novo via um homem se aproximar do corpo, olhar e voltar vomitando. De novo olhou para baixo do ônibus e viu uma bicicleta com um pedaço de carne, de qualquer carne, de qualquer parte de algum corpo e sentiu a dor em sua própria face. Apertou os olhos, esfregou com as mãos para apagar o que não dependia dela. Os olhos cheios d'água, mas de uma água que não era choro, era só o vento que batia forte e tentava secar a vista. Não conseguiu chorar, não conseguiu vomitar, não conseguia falar nada. Dentro de si tinha apenas aquela sensação de que as coisas acontecem sem que seja necessário mexer um músculo do corpo, como um grito preso na garganta.
O som da água batendo na pedra era sufocado por um grito que ecoava ao longe que não era seu e que agora, para sempre estava preso dentro de si. Para mais tarde, quando tudo não passassse apenas de uma lembrança dura de carregar, que ela soubesse que as coisas não precisam dela, para que sejam coisas, para que seja um choro, para que seja uma dor.
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