quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Fecho éclair

“Ah agora entendi, o feiche éclair está escangalhado”. Com essa frase conseguiu mudar o mundo de uma criança de sete anos. Então era isso, sua boneca preferida não morreria no dia seguinte, tudo se resolveria apenas com um ajuste de fecho?
Com uma tesourinha curva retirou com cuidado o fecho éclair escangalhado, era um trabalho minucioso para aquelas mãos gordinhas. Aos poucos o que era uma boneca com chapéu de morango tornou-se um amontoado de espumas. E para quem tem sete anos, uma boneca que vira espuma é quase como um picolé tablito recheado de chuchu.
A cada corte da tesoura era uma pontada que doía na menina. Os olhos grandes e atentos da garota a olhavam com raiva e desprezo por tamanha mentira. Logo ela que sempre ia a missa e podia comer o biscoito que o padre dava, por já ter se confessado àquela pomba de raios amarelos pintados no teto e que falavam que era Deus. Agora mentia que a boneca sobreviveria e a matava aos poucos. A dona da tesoura sorria sem esperar qualquer compreensão da menina.
Finalmente sentou-se à máquina verde. O que fez a garota por alguns segundos esquecer a boneca e se deixar levar pela perfeição da máquina. Carretel grande, carretel pequeno, compartimento para agulha, compartimento para linha, compartimento para pedal, caseador, ponto invisível e quando ela começava a funcionar o coração batia acelerado. A mulher, escorregava o pano para debaixo da agulha de um jeito tão bonito e firme que não parecia-se mais com a mentirosa da tesoura. A menina que ainda só sabia ser menina ficava ao lado, decorando qualquer movimento pois no dia em que finalmente pudesse tocar na máquina ela saberia como fazer. Agora já esquecera a boneca morta e seus olhos sorriam para as mãos da mulher. Na escola aprendia todos os dias que para tudo na vida havia um milagre, o milagre dos peixes, o milagre do vinho, o milagre do cego...na verdade achava que milagre era coisa de desenho animado.
Quando finalmente viu a boneca viva de novo, nas mãos enrugadas e gordas da avó viu pela primeira vez apenas como uma menina que o milagre dela era esse, alinhavar a vida corretamente no meio do caos de todos os dias.

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bonito...

Anônimo disse...

chata

Harissa B. disse...

nunca disse que sou legal.

Anônimo disse...

sou profissa. isso sim.

HB disse...

lindo issinha! amei. que saudades. Beijos. Haa

Anônimo disse...

sabia que se alguém procurar essa palavra no google vai achar esse blog entre os 5 primeiros endereços?