segunda-feira, 30 de julho de 2007

A primeira vez em que se viram, ele carregava uma bolsa-carteiro com um desenho "modulor" estampado e ela uma pasta grande, preta e desajeitada. Durante um ano, encontraram-se todos os dias, sempre no mesmo horário sabiam-se presentes e constantes, nunca se olharam nos olhos. Com o tempo os encontros tormaram-se aleatórios, mas sempre nos horários de pico - 08h00 e 18h00. E havia sempre o pensamento, "olha quem está aqui" ou "olha quem ainda está aqui", existiam apenas naquele espaço, fora daqueles limites faziam parte da massa de 14 milhões de habitantes da cidade.
Sem mais nem menos, voltaram ao encontro diário. Sem grandes surpresas, sem confetes, fanfarras, bala jujuba ou até mesmo uma palavra. Agora não existia mais pasta ou bolsa "modulor", era sempre uma camisa em tons de marrom por dentro da calça, um sapato vermelho, uma bolsa paga em prestações a perder de vista e sono, muito sono.
Um dia, sem mais nem menos, quando no rádio tocava "ê vida tão boa é só coisa boa pra pensar..." ela sorriu sinceramente como há muito não sorria. Era só um sorriso, sem muito planos. Uma alegria besta por estar viva, por entender finalmente que era preciso dar o melhor de si em qualquer coisa que fizesse por mais fugaz que fosse a coisa. Uma alegria que era também um medo de ser aquilo que se era.
Não ocorreu nenhuma retribuição de sorriso, sinos não tocaram, não se olharam nos olhos, não ficaram ruborizados com um sorriso tão aberto que era como uma vontade de vomitar toda aquela alegria. O ônibus parou, desceu como descia todos os dias, corretos, ortogonais e de cabeças baixas. Misturaram-se a multidão, agora não havia mais sapato vermelho, camisa marrom ou sorriso vômito, compunham a massa e só.

Um comentário:

::gabriela::gaia:: disse...

muito bom!
adoro seus textos mas esse foi um dos que mais gostei... essas coisas sempre acontecem né...?! estranhos conhecidos, quase sempre pontuais, que quase diariamente encontramos sem nunca sabermos nem o nome, mas sabemos a cor preferida de camisa, de qual lado do onibus prefere sentar, qual livro está lendo agora, e outras coisinhas tão íntimas que o nome passa ser mero detalhe....