terça-feira, 17 de outubro de 2006

Belga

Após muito tempo descobrira que o quê gostava mesmo, era poder saber sobre tudo ao mesmo tempo. Era fascinante saber que se não estivesse ali, naquele exato instante, nunca saberia que a menina de olhos grandes dormia sentada na mochila e pouco se incomodava com o balanço do trem, também não saberia que o homem típico de tal lugar, tinha entradas na testa e suéter de lista.
Dentro de todas aquela casa tão antigas, altas, cheias de adornos, nas quais dentro era sempre outono ou primavera regados ao barulho de barco dos tacos velhos de madeira, morava um velho belga com colete de fotógrafo, cuja solidão não era plena, pois afinal de contas havia os bolsos do colete. De cada um deles surgia um mundo feito apenas de detalhes, recortes de pessoas, lugares, gestos perdidos, gestos contidos. Todos contavam alguma história banal que deveriam ser registradas a todo custo. E era dever dele, um velho belga, registrar metódicamente o que sempre escorria pelas mãos. Mas ali havia sempre algo inexplicável, algum sentimento que todos do lugar entendiam e carregavam consigo, mas que ele não conseguia enxergar. A garota que dormia na mochila, podia estar em qualquer lugar, em qualquer momento e ele quase chegava a acreditar que realmente existiam meninas idênticas a ela na Bélgica, no Japão e na Austrália. Mas cada uma delas carregava em seus gestos de menina um segredo, algo indecifrável para ele, que mesmo sem enxergar omesmo que elas, sabia que existia.

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