terça-feira, 12 de junho de 2007

Sentia cheiro em seus sonhos e depois deles sempre acordava com dor de cabeça. Viver em um mundo de aromas era o mesmo que passar a vida pintando desenhos sem nunca sair uma pontinha para fora do limite deles.
Quando olhava-se no espelho assim de perto, sentia medo. Olhando em seus próprios olhos, não enxergava nada no castanho escuro e de repente o que era só um olho passava ser ela inteira. Voltar ao normal era um exercício difícil, se dar conta que era tudo aquilo era difícil.
Voltava para o sonho, no qual tudo tinha um lugar certo: a rua magicamente fedia, a loja exalava o novo, a mulher enrugada soltava vapores amarelos esverdados que saíam da dobra entre uma ruga e outra, a menina de olhos tão vivos comia ranho escondida e de repente o cheiro de tênis de chiclete virava um cheiro de mofo com roupas descosturadas na bainha.As outras coisas e pessoas e lugares não tinham cheiro, não pensava neles ou eram eles mesmos que não despertavam cheiro algum.Nunca buscava o seu próprio odor, quando tentou imaginar preferiu prestar atenção no desenho a ser colorido pela garota de olhos vivos, nariz remelento e cheiro de roupa descosturada.
Como pintar um morango que já vinha pronto? Tinha pintinhas e tudo mais, o mais adequado a fazer era buscar o lápis vermelho e arrastá-lo para lá e para cá. Mas isso era muito óbvio, para quem acha que o mundo não se resume apenas em pintar dentro do morango e muito menos para quem gosta de rabiscar sem querer a curva superior dele. Fez brilho no morango deixou-o tridimensional. Usou o verde claro e um pouco de amarelo, na pontinha final ele ficou quase branco, deixou-o por amadurecer, sorria para o morango agora com o nariz limpo.

Nenhum comentário: