domingo, 17 de setembro de 2006

Viúva Negra

Tinha as maiores olheiras que alguém conseguiria ter. Parecia que passava as noites chorando desesperadamente ou talvez apanhasse do marido. Mas tinha uma voz de aranha, todas as vezes em que falava "entre na loja e conheça as outras bolsas", parecia uma viúva-negra falando, se viúvas-negras falassem. No boteco ao lado duas prostitutas gordas, com pernas cheias de marcas e com as respectivas barrigas saltando para fora da saia apertada dançavam ao som de Calypso e arrastavam sandálias altas e baratas com os pés pretos de sujeira.
Há trinta minutos um homem havia levado um tiro dos policiais, meninos de rua gritavam em torno dos guardas e o homem algemado estribuchava no chão. Na mesma calçada os pedestres passavam com pressa e cabeça baixa e na escola em frente um trombone desafinado não desistia da música.
Há quinze minutos, na mesma calçada, sentados na sombra do muro todos os meninos de rua que antes gritavam. Agora fumavam crack, sem nenhum pudor em mostrar o quê faziam. O trombone havia parado e agora havia o som de vários insturmentos e quase todos tocavam no mesmo ritimo.
A vida não parava para contemplar a arma na mão do policial ou o gemido do homem no chão. A vida não parava para escutar o trombone, nem a banda completa. Também não parava na praça em um dia quente. Parada mesmo estava só a menina de traços finos que dormia perto do muro de tijolos.

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