Da sacada do edifício de luxo via o tal bairro tombado, lá longe ficava o estádio - verde e creme. Achava engraçada a tal "qualidade de vida" vendida para os compradores de um apartamento, na verdade não só para eles mas para as pessoas de um modo geral. O mundo adulto é cheio de sonhos com viagens internacionais, almoços em bares da moda, livros de receitas de grandes chefs, reuniões entre amigos bem sucedidos. Tudo muito feliz e clean, assim como um jantar japonês.
O mundo era muito irônico, a começar pelos limites de um bairro tombado. Ali, bem na divisa entre o que pode e o que não pode havia um prédio de 18 andares e que dali, da ponta da sacada, dava pra ver as casas do antigo bairro. Aquilo era a chamada "qualidade de vida", olhar para um monte de casa do alto da sacada do seu apartamento. Era também qualidade de vida, ter uma banheira inteligente que funcionava com apenas um toque de celular, comida congelada na geladeira, um celular que era câmera-rádio-computador-massageadordeego. Tudo muito prático para que a vida fosse rápida.
Aquela vida a assustava, talvez por falta de competência. Ou porquê talvez se identificasse com aquele atendente dos correios, sempre com o botão da camisa torto, com as unhas milimétricamente aparadas e com a calma de quem sabe que o dia vai acabar e que amanhã será igual a hoje. Ou também porque gostava mesmo eram daquelas primeiras horas da manhã em que andava sozinha na rua quase deserta sentindo uma solidão alentadora que a libertava. Seu mundo micro era cheio de descobertas reveladoras, um trilho de trem quase escondido sob o asfalto de uma avenida que não existia apenas nos mapas sempre vistos, o atendente do correios que tomava o mesmo ônibus que ela e que fora da agência usava uma camiseta azul e branca, o labrador mais calmo do mundo...
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